Douglas Lins sentindo-se pensativo. 13 h · Que merda de mundo e de cultura a gente tá deixando como herança? Hoje eu parei um minuto pra pensar sobre o apego emocional. Minha conclusão, a princípio, foi de que o ser humano desenvolveu a tendência para apegar-se emocionalmente a um determinado interesse amoroso a partir do momento em que identifica um par compatível e ideal para procriar e manter a espécie. Assim, tal apego forte o daria o 'drive' emocional necessário para ir além de seus limites em muitas situações para preservar fervorosamente o vínculo, garantindo assim a procriação e a preservação da espécie com tal pessoa identificada como 'ideal'. Indo adiante, isso se mostrou tão eficiente para a evolução e soberania da espécie humana que passou a ser um instinto herdado e inato, e passamos a nascer com tal tendência. (É só uma hipótese. Se eu estiver errado me corrijam) Não muito tempo atrás, isso passou a ser visto como algo negativo. Dependência e apego emocional foram vistos - em diversos momentos da história humana, mas gosto sempre de citar o período do ultrarromantismo nesses casos - como características negativas, de quem não tinha forças para superar momentos de dificuldade. Nesse momento começa a valorizar-se o desapego como traço marcante de pessoas ideais para procriar (devida a ideia de que seriam fortes, desapegadas de emoções, com a cabeça firmada em inovação e ideais, e que nada poderia parar essas pessoas). Eu vejo isso como sendo natural, como sendo sintoma visceral da ideia de cultura e contracultura, que é parte da psiquê da humanidade - e nos trouxe diversas formas de progresso, tanto artísticas como tecnológicas. No entanto, recentemente, com o excesso de informação das tecnologias móveis, que também é parte essencial da era da informação, eu nos vejo como estando fortemente posicionados sobre um lado da balança, sem quaisquer indícios de movimentarmo-nos para o outro lado. Estamos coletivamente criando uma "cultura da indiferença". Hoje, o ser humano que nasce com a tendência a se apegar aos seus amores - para defendê-los com unhas e dentes e garantir a procriação - em um futuro próximo nascerá com tendências de indiferença e desapego empático e emocional. Porque estamos aprendendo, dia após dia, que desapego e desinteresse são fundamentais para sobreviver emocionalmente nas relações interpessoais e emocionais nos dias de hoje com índices de aceitação (que variam de pessoa pra pessoa, uns consideram margem de sucesso, pessoas atingidas, taxa de conversão, e até mesmo manutenção emocional, ou em outras palavras, poder agir da forma que quiser e se relacionar com quem quer que seja sem ter sua saúde emocional abalada por isso). O pior disso tudo não é a grande sombra que on individualismo projeta sobre as relações interpessoais, mas também a indiferença perante o ser humano. Eu ouvi uma entrevista ontem feita a um ex-diretor de uma das maiores empresas de jogos dos últimos 20 anos, que acabou de se aposentar há poucas semanas. Sempre visto como uma figura excêntrica, cheia de energia e disposta para apresentar inovações, o ex-diretor disse estar passando por momentos complicados com ansiedade e síndrome do pânico. Ele, que tanto ajudou diretamente os outros em toda a sua vida com problemas similares e nunca se imaginou nos seus pés. O próprio entrevistador, amigo do artista, disse que também estava passando por problemas deste tipo e se sentia exatamente como lhe era descrito. A quantia absurda de informações, notificações, dados, imagens, anúncios, valores, está causando epidemias em massa de ansiedade e depressão. E para muitos isso é só a ponta do iceberg. Para onde vão as pessoas quando está complicado lidar com os outros, estamos socialmente e coletivamente cada vez mais indiferentes, ao mesmo passo em que estamos também individualmente cada vez mais depressivos, ansiosos e insatisfeitos? Já assistiram Her? As interfaces de inteligência artificial estão cada vez mais envolventes, assimilando-se mais e mais com pessoas de verdade. Westworld e Black Mirror mostram bem isso: ainda hoje boa parte da população dá muito mais atenção a um aparelho celular do que aos outros ao seu redor. Para muitos indivíduos, a dor emocional causada pela perda de informações digitais (contatos, mensagens, fotos) é muito mais impactante do que a dor física causada em determinados acidentes ou até mesmo o afastamento de determinadas amizades. Estamos nos distanciando de pessoas e nos aproximando de máquinas. Estamos afastando ideias e histórias de vida e agarrando firmemente swipes, likes e comentários. Tu já pensou que o teu filho, ou teu neto, pode nascer e crescer com tendência inata de não desenvolver laços empáticos com os outros, ter mais amizades com robôs e sistemas digitais do que com seres humanos de carne e osso e sofrer muito pra entender o valor de algo dito olho no olho? Que merda de mundo e de cultura a gente tá deixando de herança?